Ela, a feiticeira


O livro “Ela, a feiticeira” ou “She” do original em inglês, já vendeu mais de 83 milhões de cópias em todo o mundo. O Best seller do autor Henry Rider Haggard foi publicado originalmente em 1987. O livro narra as aventuras do Prof. Horace Holly e seu pupilo Leo Vincey quando eles se deparam com instruções contidas em um antigo fragmento de cerâmica  deixado pelo pai do Leo. Seguindo as instruções eles vão parar em uma região inexplorada da África, onde encontram uma civilização perdida liderada pela feiticeira “Ela”.

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Capítulo III - O fragmento de Amenartas

No dia anterior ao vigésimo quinto aniversário de Leo, viajamos juntos para Londres com o objetivo de retirar o misterioso cofre da caixa-forte do banco, onde eu o havia colocado vinte anos antes. Ela foi trazida, lembro bem, pelo mesmo funcionário que a havia levado para a caixa-forte. E ele se lembrava perfeitamente de tê-la guardado. Não fosse assim, disse, não teria sido fácil encontrá-la, tão coberta estava por teias de aranha. Retornamos a Cambridge naquela noite, levando conosco a preciosa carga; creio que, se nós dois tivéssemos dado de esmola todo o sono que ganhamos naquela noite, não ficaríamos mais pobres. Logo que o dia amanheceu, Leo surgiu em meu quarto ainda de pijama e sugeriu que resolvêssemos de uma vez por todas aquele assunto, uma idéia que repeli, por demonstrar uma curiosidade desprezível. "O cofre já esperou vinte anos", disse eu, "e pode muito bem continuar a esperar até depois do café da manhã." Sendo assim, tomamos café às nove — às nove em ponto, fato não muito comum; e eu estava tão ocupado com meus próprios pensamentos que sem querer coloquei um pedaço de bacon no chá de Leo, em vez de uma colher de açúcar. Também Job, a quem a atmosfera de excitamento tinha, é claro, contagiado, conseguiu quebrar a asa da minha xícara de chá de porcelana de Sèvres, uma reprodução idêntica, acredito, daquela que Marat usara minutos antes de ser esfaqueado no banheiro. Finalmente o café terminou, e Job, a meu pedido, foi buscar o cofre, colocando-o em cima da mesa com um cuidado exagerado, como se de alguma forma não confiasse nele. Em seguida preparou-se para deixar o aposento. — Espere um momento, Job — disse eu. — Se o sr. Leo não fizer nenhuma objeção, eu preferiria que esse assunto fosse presenciado por uma testemunha neutra e de confiança, que não abrirá a boca a menos que isso lhe seja pedido. — Certamente, tio Horace — respondeu Leo, a quem eu havia ensinado a me chamar de tio, embora ele gostasse de variar essa denominação de maneira pouco respeitosa chamando-me de velho camarada, ou até de meu tio postiço. Job fez menção de tirar o chapéu, apesar, de não estar usando nenhum. — Tranque a porta, Job — pedi —, e traga a minha caixa de despachos. Ele obedeceu, e de dentro da caixa retirei as chaves que o pobre Vincey, pai de Leo, me dera na noite de sua morte. Havia três chaves: a maior, que era mais ou menos moderna; a segunda, antiqüíssima; e a terceira, totalmente diferente de todas as outras do gênero, que parecia ter sido moldada a partir de uma tira de prata sólida. Essa chave era atravessada por uma barra, que servia como cabo; e a borda da barra apresentava alguns entalhes. Lembrava mais uma chave tosca de estrada de ferro do que qualquer outra coisa que eu conheça. — Estão prontos? — perguntei, como fazem as pessoas prestes a detonar um explosivo. Como não houve resposta, peguei a chave maior, untei-a com azeite e depois de uma ou duas tentativas, pois minhas mãos estavam tremendo, consegui encaixá-la e abri o cadeado.


Leo inclinou-se sobre o cofre, pegou a tampa maciça com as duas mãos e, não sem algum esforço, já que as dobradiças tinham enferrujado, forçou-a para cima, deixando a mostra uma caixa, coberta de pó. Ela foi retirada de dentro do cofre sem a menor dificuldade; em seguida começamos a remover com uma escova para roupas a sujeira acumulada dos anos. A caixa era, ou pelo menos aparentava ser, feita de ébano ou de alguma outra madeira escura muito parecida, e todos os seus cantos eram reforçados com tiras chapadas de ferro. Devia ser extremamente antiga, pois em alguns lugares a madeira forte e densa estava começando a se esfacelar de velhice. — Vamos a ela — disse eu, introduzindo a segunda chave. Job e Leo inclinaram-se para a frente quase sem respirar, de tanta expectativa. A chave virou, e quando levantei a tampa não pude reprimir um grito de admiração, pois dentro da caixa de ébano havia um magnífico escrínio de prata com cerca de doze polegadas quadradas e oito de altura. Sem nenhuma dúvida era o trabalho de algum artesão egípcio, pois os quatro pés tinham forma de esfinge e a tampa abobadada era encimada por uma esfinge. É claro que o escrínio estava um pouco marcado e embaçado pelos anos, mas quanto ao resto seu estado era muito bom. Retirei-o da caixa, colocando-o em cima da mesa; em seguida, em meio ao mais profundo silêncio, inseri a estranha chave de prata, movendo-a de um lado para outro, até que por fim o fecho cedeu e o escrínio ficou aberto à nossa frente. Estava cheio até a borda de um material marrom todo rasgado, que mais parecia fibra vegetal que papel, cuja real natureza nunca consegui descobrir. Retirei cuidadosamente umas três polegadas de papel até encontrar uma carta dentro de um envelope moderno comum onde estava escrito a mão, por meu falecido amigo Vincey:

"A meu filho Leo, se ainda estiver vivo quando este escrínio for aberto".

Entreguei a carta a Leo, que deu uma olhada no envelope e colocou-o sobre a mesa, fazendo um sinal para que eu continuasse a exploração do escrínio. Em seguida, encontrei um pergaminho cuidadosamente enrolado. Abri-o e, percebendo que também estava escrito com a letra de Vincey e tinha o título de "Tradução do texto em grego uncial encontrado no fragmento de louça de barro", coloquei-o ao lado da carta. Em seguida apareceu um outro pergaminho antigo enrolado, já enrugado e amarelado pelos anos. Também desenrolei esse pergaminho. Era também uma tradução do mesmo original grego, mas para o latim, escrito em letras góticas; à primeira vista, pelo estilo e tipo de letra, parecia-me datar aproximadamente do início do século XVI. Imediatamente embaixo desse pergaminho havia alguma coisa dura e pesada, embrulhada em linho amarelo e colocada em cima de outra camada de material fibroso. Devagar e com muito cuidado retiramos o pedaço de tecido, fazendo aparecer um fragmento bem grande de cerâmica, sem sombra de dúvida bastante antigo, de coloração próxima a um amarelo sujo! Esse fragmento, na minha opinião, fora um dia parte de uma ânfora comum, de tamanho médio. Media quase dez polegadas e meia de comprimento por sete de largura, tendo cerca de um quarto de polegada de espessura; o lado convexo, que

estava virado em direção ao fundo da caixa, estava de todo coberto por um texto em grego uncial do último período, com algumas falhas aqui e ali, mas perfeitamente legível; era patente o cuidado com que as inscrições haviam sido feitas, utilizando-se um pedaço de junco, como era habitual naquela época. Não posso me esquecer de mencionar que em alguma época remota esse maravilhoso fragmento fora quebrado em dois, sendo restaurado mais tarde com cimento e oito longos rebites. Também no lado interno havia numerosas inscrições; essas, porém, eram feitas com letras bastante extravagantes, e com certeza tinham sido escritas por mãos diferentes, em épocas também diferentes. Mais tarde falarei dessas inscrições e também dos textos dos pergaminhos. — Há mais alguma coisa? — perguntou Leo com a voz rouca de excitação. Vasculhei com as mãos o fundo do escrínio e encontrei um objeto duro, colocado dentro de um pequeno saco de linho. Retiramos dele, em primeiro lugar, uma bela miniatura de marfim pintado, e depois um pequeno escaravelho cor de chocolate com as seguintes inscrições:

símbolos que, como verificamos mais tarde, significam "Suten se Ra", ou, se traduzirmos, o "Filho Real de Rá ou o Sol". A miniatura mostrava o retrato da mãe grega de Leo — uma adorável criatura de olhos negros. Na parte de trás estava escrito, com a letra do pobre Vincey: "Minha amada esposa". — Isso é tudo — avisei. — Muito bem — respondeu Leo, colocando de lado a miniatura, para a qual tinha estado olhando carinhosamente; — e agora vamos ler a carta. — Com isso, sem nenhum esforço, rompeu o lacre, e começou a ler em voz alta:

"Meu filho Leo, Quando você abrir esta carta, se ainda estiver vivo na ocasião, já terá atingido a idade adulta, e eu já estarei morto há tempo suficiente para estar totalmente esquecido por quase todas as pessoas que me conheceram. Mesmo assim, ao lê- la lembre-se de que já fui, e por tudo o que você sabe, posso ainda ser; lembre-se também de que aqui, através deste elo de tinta e papel, estendo minha mão até você, atravessando o golfo da morte, e minha voz lhe chega vinda do silêncio do túmulo. Embora eu esteja morto, e seu espírito não guarde de mim nenhuma lembrança, mesmo assim estou a seu lado no momento em que você lê esta carta. Desde o seu nascimento até o instante em que escrevo, muito poucas vezes vi seu rosto. Peço perdão. E que sua vida suplantou a daquela a quem amei mais do que as mulheres geralmente são amadas, e a amargura provocada por isso permanece. Tivesse eu vivido mais, com certeza o tempo me ajudaria a superar esse tolo sentimento, mas não estou destinado a viver. Meu sofrimento, tanto físico como mental, é maior do que consigo suportar, e quando tiver terminado de fazer alguns pequenos arranjos em relação a seu futuro bem-estar, é minha

intenção colocar um fim a tudo isso. Que Deus me perdoe se estiver errado. Na melhor das hipóteses, não poderia viver mais que um ano."

— Então ele se matou — exclamei. — Eu bem que imaginava. .. — Mas Leo continuou, sem responder.
"E agora chega de falar de mim. O que tenho a dizer pertence a você, que vive, e não a mim, que estou morto, e quase tão esquecido como se nunca tivesse existido. Holly, meu amigo (a quem, se aceitar a incumbência, pretendo confiar sua educação), já deve ter lhe contado alguma coisa a respeito da extraordinária antigüidade de nossa família. E no conteúdo desse escrínio você encontrará material suficiente para comprovar isso. A estranha lenda que verá inscrita por sua remota ancestral no fragmento de cerâmica me foi transmitida por meu pai, em seu leito de morte, e instigou muito a minha imaginação. Por isso, quando tinha apenas dezenove anos decidi investigar o assunto, da mesma forma que, para sua desgraça, fizera um de nossos ancestrais da era elizabetana. Não posso contar agora tudo o que me aconteceu. Mas isso vi com meus próprios olhos. Na costa da África, numa região até então inexplorada, a alguma distância ao norte de onde o Zambeze se encontra com o mar, existe um promontório, em cuja extremidade se levanta um pico com o formato da cabeça de um negro, bem semelhante àquele de que fala o manuscrito. Cheguei a esse local e ouvi de um nativo errante, expulso de sua tribo por algum crime que cometera, que bem para o interior há grandes montanhas em formato de taças e cavernas rodeadas de pântanos gigantescos. Também descobri que os povos daquela região falam um dialeto derivado do árabe, e que são governados por uma bela mulher branca que raramente é vista por eles; porém, segundo dizem, ela tem poder sobre todas as coisas, vivas ou mortas. Dois dias depois de me haver contado isso o homem morreu de febre, contraída ao atravessar os pântanos, e fui forçado, pela falta de provisões e pelos sintomas de uma doença que mais tarde me derrubaria, a iniciar a viagem de volta.


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